quinta-feira, 2 de junho de 2016

coração dourado


Contou-me certa vez um pássaro, aqueles que voam nos céus pela manhãzinha depois de longas noites, que vislumbrou um homem que caminhava firme a passos moderados, seguindo bastante concentrado. Talvez você pergunte o que torna alguém que caminha firme e concentrado especial o suficiente para ser lembrado por um pássaro. 
Bem, a começar que este pássaro não era tão comum como parecia, assim como aquele homem também não era comum. O pássaro possuía o dom de enxergar com o coração, ele adentrava a alma de tudo que via, de seus olhos afiados não escapavam as dores, os temores e nem as benevolências, já o homem por sua vez tinha sensibilidade, mas não a enxergava de jeito algum. Não sei contar ao certo porque o pássaro escolhera aquele homem naquele momento, mas seu relato é emocionante.

"Eu o segui por duas quadras, acompanhei seu olhar rápido e atento, ele gostava de tudo que era orgânico e natural, das folhas, das árvores, do céu, do sol. Depois de conseguir olhar bem no fundo de seu olhos marcantes entrei em seu corpo, em sua alma. Ele cultivava um carinho e um amor muito grande por sua família que não necessariamente eram representados por abraços apertados ou declarações melosas, sentia-se culpado quando pensava baixinho em seu inconsciente que talvez os levava numa bagagem pesada nas costas, e como o fardo de algumas responsabilidades pesam. Ao mesmo tempo em que reconhecia que era uma peça fundamental naquela formação e que os pequenos moradores daquele casa de certa maneira dependiam dele também, de seu exemplo, de sua força e determinação era praticamente um representante paterno à eles, e porque não materno também em alguns momentos? Um de seus grandes desejos? Vê-los bem. E como ele trabalhava arduamente pra isso, para pequenas e grandes conquistas, mesmo assim não achava que ser desta forma era uma grande qualidade. Falando em família, ele parecia sentir falta de alguém, mas não era de uma presença física era muito mais do que isso, era de um laço, não sanguíneo, mas afetivo e consistente. Isso o desnorteava as vezes, o colocava a pensar, a se julgar, a autoflagelar seu sentimento, parecia que quando pensava não fazia ou quando fazia não pensava. Seu coração também tinha comprometimento com as pessoas que cruzavam a sua vida e que a marcavam de alguma maneira, pensava muitas vezes ter uma dívida impagável para com amigos e até conhecidos e mesmo assim era réu de seu próprio julgamento, não achando um merecedor de bons acontecimentos. E sim, de fato criamos algumas dividas com as pessoas, só esquecemos as vezes de que tudo que é feito de coração não é um produto nem um serviço e sim um gesto de generosidade e generosidade tem um preço incalculável, não deve ser cobrada. E então seguindo pelo seu coração eu enxerguei um núcleo, onde possuía um brilho dourado e muito intenso, ali estavam acomodados milimetricamente todo carinho que ele não reconhecia que era capaz de passar a alguém, tinha também seu jeito de admirar as pessoas que gosta com um olhar cerrado e terno, a forma educada no convívio social representado belamente por um largo sorriso com covinhas de jeito inocente como de uma eterna criança feliz, sua gentileza ao abrir uma porta pra alguém passar, sua inciativa de tornar pequenos gestos situações memoráveis, seu zelo, sua forma de abraçar e tocar as coisas, ali estavam bens muito preciosos que pareciam escondido para aquele homem. Foi aí que uni todas aquelas coisas boas num só abraço apertado em baixo de minhas asas, estava naquele instante lhe beijando a alma." 

O pássaro afastou-se no exato momento em que o homem coçava a cabeça a pensar, pendia o lábio para o lado fazendo um som peculiar parecendo que sabia que algo o vasculhava. De asas abertas sobre sua cabeça o pássaro fez uma promessa, que colocaria a partir de então mensagens camufladas ao longa da sua vida para lhe mostrar o quanto era especial e merecedor deixando claro que tudo na vida simplesmente acontece.
Antes do último bater de asas rumo ao céu o pequeno pássaro sentiu um perfume que exalava daquele homem, certamente era o aroma de seu coração dourado.

por Charle Oliveira


Nenhum comentário:

Postar um comentário